domingo, 30 de novembro de 2008

Foi até a beirada e olhou de lá de cima. Do alto do 30º andar os carros pareciam apenas pequenos pontinhos com luzes. Sentiu a brisa da noite em seu rosto e olhou para a lua, estava mais perto do que jamais esteve. Sentou-se na beirada e pegou o celular, discou o telefone de sua terapeuta. Embora fosse um pouco tarde ela disse que podia ligar a hora que fosse, disse que sempre lhe ajudaria.
-"Olá, você ligou para a Dra. Fernanda, no momento não posso lhe atender, mas entrarei em contato assim que puder. Deixe-me uma mensagem e não se esqueça: Sorria para o mundo e ele sorrirá para você!".
Suspirou. Sorrir lhe parecia tão irônico. Olhou para baixo novamente e então resolveu deixar uma mensagem:
-Dra. Fernanda é a Julia. Desculpe-me incomodar-lhe tão tarde, mas é urgente. Me ligue assim que puder.
Resolveu esperar um pouco. Deitou-se no chão e olhou as estrelas, embora não desse para ver muitas. Lembrou-se de uma frase que uma vez lera em um livro e fora dita por Platão: "Para ver as estrelas é necessário erguer a cabeça". Então de repente sentiu seu rosto quente, uma lágrima começava a cair. Virou-se e escondeu o rosto. Embora não tivesse ninguém ali, sentia vergonha. Chorou baixinho com o rosto nas mãos por algum tempo. Então, ainda chorando, porém dessa vez de ódio, levantou o rosto e começou a gritar para o nada, como se alguém a ouvisse:
-Não! Eu não vou chorar! Não dessa vez, não de novo, que droooooooogaaa!!!!!!!!!
Olhou no celular, já havia passado meia hora e Dra. Fernanda ainda não ligara. O tempo passava rápido. Foi até a beirada novamente e deu mais uma olhada. Agora o vento secava suas lágrimas. Sentou encolhida em um canto e procurou ver o lado bom. Pensou por algum tempo e então concluiu: não havia lado bom. Estava cansada. Cansada da sua vida, cansada da mesmice, cansada de não conseguir o que queria. Se sentia uma idiota, uma perdedora, uma fraca. Achava que aquele era o único meio de dar fim a sua dor. Mais lágrimas ameaçavam querer cair. Olhou no celular de novo, haviam se passado mais 15 minutos e Dra. Fernanda não ligara. Guardou o celular o celular e se levantou:
-Então é isso.
Foi até a beirada de novo e dessa vez procurou o medo, mas simplesmente não o encontrava. Olhou de novo. Então deu alguns passos de distância, respirou fundo, correu e pulou. Começou a cair de barriga. Sua primeira reação foi gritar, mas logo parou. Afinal, não era isso que ela queria?
Parecia que o fim não chegava nunca, o tempo se arrastava. Lembrou-se da frase: "do chão não passa". Será que não passava mesmo? Ela ia passar. Passar para um outro plano, para a próxima etapa da vida, ou da morte, não sabia, mas nesse momento sentia que era bom ou, pelo menos, melhor que antes. Abriu os braços tanto quanto a lei da física lhe permitiu e sorriu. Estava pronta para a próxima fase, e ia entrar nela com estilo: Voando.


O texto é de minha autoria.


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segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Eis a Morte

Ela chegou sorrateira, silenciosa, como uma cobra pronta pra dar o bote. E deu, o levou. Rápido e indolor. Quando o telefone tocou naquela manhã eu já sabia que ia acontecer. Intuição, sentimento, mediunidade? Não sei, mas já sai de casa sabendo.
Quando recebi a notícia à uma da tarde, saindo da escola, não senti nada de imediato. Na verdade, não processei a informação. Me deu um certo nervoso, angústia, mas passou rapidamente.
Não gosto de velórios, quando morrer não quero velório, acho muito estranha a idéia de pessoas lamentando sobre seu corpo sem vida. Todas as atenções viradas pra você, depois de morto. Mas, apesar disso, tive que ir. De início fiquei do lado de fora, achei que quando visse o corpo iria desabar. Mas não. Precisei entrar lá pra falar com minha mãe, dei apenas uma olhada, quase ignorando o fato de que meu avô jazia morto no meio da sala. Não quis encostar no corpo, nem fiquei ali parada do lado do caixão olhando-o e rezando por ele.
Andei pelo cemitério, conversei com as pessoas, até brinquei com meu irmão. Achei que estava aceitando muito bem os fatos. Sabia que minha mãe me desaprovava por minha frieza, no fundo até eu achava que estava sendo fria demais. Então sentei-me dentro da sala e fiquei encarando o corpo de perfil, vendo se não aflorava nenhum sentimento. E não aflorou. Na verdade, fiquei imaginando como seria engraçado se ele acordasse, se levantasse do caixão e dissesse: O que está acontecendo? - Fiquei pensando qual seria a reação das pessoas e em como ele ficaria bravo. Como odiava que falassem de morte perto dele. Na verdade ele tinha medo, eu sabia disso. E esse pensamento me fez querer rir, embora tenha segurado ao máximo em respeito as pessoas que ali estavam.
Cheguei em casa aquela noite eram duas horas da manhã. Assim que coloquei o pé dentro de casa, senti como estava sobrecarregada. Estava com medo de dormir em meu quarto, com medo de ficar sozinha. Sentia uma energia negativa muito forte me rodeando. Acho que sou um tipo de 'presa fácil'.
E às sete da manhã do dia seguinte estava de volta ao cemitério, para o enterro. Ainda não sentia nada, mas percebi que agora ele estava de boca aberta. Como alguém que abre a boca enquanto dorme.
Meus sentimentos afloraram quando começaram a orar por ele. Chorei, chorei muito. As músicas me faziam chorar, principalmente. E, no momento em que fecharam o caixão, senti um desespero, um medo, quase uma claustrofobia, sentimento que foi rapidamente reprimido, mas voltou a tona quando fecharam a cova e jogaram terra por cima.
Alguns dias depois do ocorrido sonhei com meu avô, que ele estava vivo, tinha acordado de um sono profundo que confundiram com a morte, saiu da cova, e voltou para casa. Estava bravo por termos enterrado-o. E então parei pra pensar e entendi toda minha frieza. Eu não tinha aceitado o fato de que ele morrera. A cena engraçada que eu imaginara dele levantando do caixão era, na verdade, o desejo mais desesperado do meu coração. Eu não quis encostar nele porque tinha medo de acordá-lo. Pra mim ele estava apenas num sono profundo. E o meu sentimento de desespero era por não saber como ele sairia do caixão e da cova quando acordasse. Na verdade o que eu queria era ir até o cemitério, tirar toda aquela terra e todas aquelas placas de concreto, abrir o caixão, chacoalhá-lo e dizer para ele acordar, porque estava na hora, porque ele já tinha dormido demais. Que agora era hora de ele voltar e retomar seu posto, cuidar das suas coisas. Mas eu não podia.
Eu sabia que as pessoas morriam, mas era como se eu pensasse que todos podiam morrer, menos quem eu amo. Foi aí que percebi o quanto a morte está perto da gente.
É como se todos os dias eu esperasse que o telefone toque e seja alguém do cemitério dizendo: Ouvimos barulhos em sua cova e fomos verificar. O Sr. Wilson está vivo.




O texto é de minha autoria.