segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Eis a Morte

Ela chegou sorrateira, silenciosa, como uma cobra pronta pra dar o bote. E deu, o levou. Rápido e indolor. Quando o telefone tocou naquela manhã eu já sabia que ia acontecer. Intuição, sentimento, mediunidade? Não sei, mas já sai de casa sabendo.
Quando recebi a notícia à uma da tarde, saindo da escola, não senti nada de imediato. Na verdade, não processei a informação. Me deu um certo nervoso, angústia, mas passou rapidamente.
Não gosto de velórios, quando morrer não quero velório, acho muito estranha a idéia de pessoas lamentando sobre seu corpo sem vida. Todas as atenções viradas pra você, depois de morto. Mas, apesar disso, tive que ir. De início fiquei do lado de fora, achei que quando visse o corpo iria desabar. Mas não. Precisei entrar lá pra falar com minha mãe, dei apenas uma olhada, quase ignorando o fato de que meu avô jazia morto no meio da sala. Não quis encostar no corpo, nem fiquei ali parada do lado do caixão olhando-o e rezando por ele.
Andei pelo cemitério, conversei com as pessoas, até brinquei com meu irmão. Achei que estava aceitando muito bem os fatos. Sabia que minha mãe me desaprovava por minha frieza, no fundo até eu achava que estava sendo fria demais. Então sentei-me dentro da sala e fiquei encarando o corpo de perfil, vendo se não aflorava nenhum sentimento. E não aflorou. Na verdade, fiquei imaginando como seria engraçado se ele acordasse, se levantasse do caixão e dissesse: O que está acontecendo? - Fiquei pensando qual seria a reação das pessoas e em como ele ficaria bravo. Como odiava que falassem de morte perto dele. Na verdade ele tinha medo, eu sabia disso. E esse pensamento me fez querer rir, embora tenha segurado ao máximo em respeito as pessoas que ali estavam.
Cheguei em casa aquela noite eram duas horas da manhã. Assim que coloquei o pé dentro de casa, senti como estava sobrecarregada. Estava com medo de dormir em meu quarto, com medo de ficar sozinha. Sentia uma energia negativa muito forte me rodeando. Acho que sou um tipo de 'presa fácil'.
E às sete da manhã do dia seguinte estava de volta ao cemitério, para o enterro. Ainda não sentia nada, mas percebi que agora ele estava de boca aberta. Como alguém que abre a boca enquanto dorme.
Meus sentimentos afloraram quando começaram a orar por ele. Chorei, chorei muito. As músicas me faziam chorar, principalmente. E, no momento em que fecharam o caixão, senti um desespero, um medo, quase uma claustrofobia, sentimento que foi rapidamente reprimido, mas voltou a tona quando fecharam a cova e jogaram terra por cima.
Alguns dias depois do ocorrido sonhei com meu avô, que ele estava vivo, tinha acordado de um sono profundo que confundiram com a morte, saiu da cova, e voltou para casa. Estava bravo por termos enterrado-o. E então parei pra pensar e entendi toda minha frieza. Eu não tinha aceitado o fato de que ele morrera. A cena engraçada que eu imaginara dele levantando do caixão era, na verdade, o desejo mais desesperado do meu coração. Eu não quis encostar nele porque tinha medo de acordá-lo. Pra mim ele estava apenas num sono profundo. E o meu sentimento de desespero era por não saber como ele sairia do caixão e da cova quando acordasse. Na verdade o que eu queria era ir até o cemitério, tirar toda aquela terra e todas aquelas placas de concreto, abrir o caixão, chacoalhá-lo e dizer para ele acordar, porque estava na hora, porque ele já tinha dormido demais. Que agora era hora de ele voltar e retomar seu posto, cuidar das suas coisas. Mas eu não podia.
Eu sabia que as pessoas morriam, mas era como se eu pensasse que todos podiam morrer, menos quem eu amo. Foi aí que percebi o quanto a morte está perto da gente.
É como se todos os dias eu esperasse que o telefone toque e seja alguém do cemitério dizendo: Ouvimos barulhos em sua cova e fomos verificar. O Sr. Wilson está vivo.




O texto é de minha autoria.

11 comentários:

Débora disse...

Nossa... emocionante. A morte é realmente algo que nos apavora. Engraçado como não estamos preparados para o dia em que ela possa nos levar ou levar nossos amores, sendo esta nossa única certeza.
Parabéns pela sua maneira aberta, direta e sincera ( bem ariana, entendo bem porque também sou) de tocar no assunto.
Um abraço

Lucas Conrado disse...

Oi Lari, tudo bem?
Olha, o Marsiglia foi muito simpatico na entrevista. Na primeira pergunta a gente não conseguiu gravar, então ele na maior boa vontade repetiu a pergunta. Foi muito bom!
Amanhã eu devo postar no blog a segunda parte da história, onde explico como foi a edição do vídeo e posto também o vídeo.
ps. volto amanhã aqui pra ler seu texto, ok?
beijos

Tássyo C. Santana disse...

Sua frieza eh impressionante.Sendo ateh um ponto positivo pq fez vc superar a morte dio seu avô.Concordo com vc no fato de detestar velorio.Quandu eu morrer quero ser cremado ,eh uma coisa nobre.Na antiguidade soh os reis e rainhas eraum cremados.

http://eletro-ts.blogspot.com/
comenta o meu ai

vlw bjs

P. Florindo disse...

Eu odeio frases de efeito do tipo "viva a sua vida como se não houvesse amanhã", mas quando a morte está ali, TOC, Toc, na sua porta, essa frase passa pela cabeça de quem está indo. Ou não afinal, nunca estive à beira da morte.

Nunca fui a um velório e espero que não ir tão cedo.

Thiago Moreira Gonçalves disse...

Curti o "Lariland"! Não parece o país das maravilhas, mas é muito bom. Parabéns moça.

Anônimo disse...

Espero NAO ter que passar por uma dessas tão cedo....

Antonoly Maia disse...

Morte é um tema que não gosto nem de pensar.
Beijos!

Anônimo disse...

na sua idade é mais facil falar da morte do que encara-la de frente. acho um tema forte para que nao tem grande experiencia de vida. Voca nao transmite a dor por isso o texto fica artificial...o cheiro de um ente querido no caixao...algumas horas depois começa a feder...um fedor insuportavel...isso é a morte...nao tem glamour nenhum.
fica o registro.
escreve da dor que tu sentes e do sofrimento que estas passando. ai sim...
um grande abraço!!!

Viviane Righi disse...

Falar de morte não é coisa do outro mundo. Apenas assusta algumas pessoas, pois a dificuldade em lidar com a perda de alguém que amamos ou convivemos dói muito.

Mas depois, esse sentimento e essa dor passam com o tempo, dando lugar a suaves lembranças de momentos bons com a pessoa.

Experiência própria, viu?

Abraços! Força!

Daniel Murillo disse...

mto bom seu texto, mesmo eu tendo um ponto de vista diferente sobre velórios e cemitérios, eu gostei do que vc escreveu.

Olho de pirata disse...

nossa, gostei do texto, é bem forte!
é triste e me faz pensar e questionar sobre os pequenos "erros de gravação" que aconteceu com tanta frequencia em nossas vidas.
depois passa la no meu blog!

adios